Dois cenários, que envolvem adaptação de diferentes setores e sua contribuição para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), poderão levar o Brasil a antecipar em uma década a meta de neutralidade das emissões, prevista para ocorrer em 2050. O estudo Brazil Net-Zero by 2040, liderado pelo Instituto Amazônia 4.0., foi divulgado nesta quarta-feira (5) na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro. A pesquisa utilizou na sua concepção o modelo de análise integrada Brazilian Land Use and Energy System Model, que simula diferentes cenários de transição.
O estudo tem como autores os especialistas Carlos Afonso Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), Roberto Shaeffer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB) e vice-presidente da ABC para Minas Gerais e Região Centro-Oeste, Eduardo Assad (ex-Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa), e Nathália Nascimento (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).
Os dois cenários propostos são o setor Agricultura, Florestas e Outros Usos da Terra (AFOLU-2040), com foco em soluções baseadas no uso da terra, como redução do desmatamento e restauração florestal; e o Energia-2040, voltado à transformação do setor energético, com expansão de energias renováveis e biocombustíveis, redução do uso de petróleo e adoção de tecnologias de captura e armazenamento de carbono.
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Dois caminhos
Em entrevista à Agência Brasil, a professora Mercedes Bustamante reforçou que o trabalho seguiu dois caminhos que possibilitam ao Brasil antecipar a meta de ter emissões neutras até 2040. Dessas duas possibilidades, uma envolve o setor de uso da terra no país, em que são registradas as principais emissões e poderia ser mais fácil realizar esse processo. A outra possibilidade seria o setor de energia, que implicaria transição energética mais profunda, com a mudança da matriz fóssil brasileira para uma matriz ainda mais renovável.
Mercedes Bustamante afirmou que, para o Brasil, há uma vantagem no setor que envolve o uso da terra porque, basicamente, são ações que o país já vem implementando, como a redução do desmatamento, que precisaria avançar mais rapidamente.
“Na parte do reflorestamento, seriam metas mais ambiciosas de restauração e, na parte da agricultura, sua transformação em um modelo mais próximo da agricultura regenerativa. Esse ganho que nós teríamos com sequestro de carbono pelas atividades de uso da terra nos permitiria fazer uma transição energética mais gradual.
Para ela, essa seria a vantagem desse cenário, porque são estratégias que o Brasil já utiliza e tem uma série de cobenefícios. “Porque, se você trabalha na solução do desmatamento, restauração florestal em larga escala, isso também implica a conservação da biodiversidade e outros serviços ecossistêmicos. E, ao mesmo tempo, nos permite fazer a adequação que vai ser necessária para a transição energética”, disse Mercedes.
A professora destacou, por outro lado, que não há como fugir da transição energética.
“Ela vai ter que acontecer. No cenário de uso da terra, a gente pode fazer de modo mais gradual e ir ajustando todo o sistema que ainda depende de combustíveis fósseis para essa matriz energética”.
No cenário energia, acrescentou, isso implicaria mudança mais drástica da matriz energética brasileira. “Ou seja, você abrir mão dos combustíveis fósseis e fazer a conversão para as energias renováveis de modo mais rápido e mais distribuído”.
Os dois cenários demandarão financiamento climático e políticas públicas consistentes para que se coloquem incentivos nas atividades corretas, lembrou a vice-presidente da ABC e coautora do estudo.
“Eu sempre digo: Não basta fazer o que precisa ser feito, mas tem que deixar de fazer o que não deve ser feito”.
Mercedes Bustamante afirmou que, provavelmente, o setor do AFOLU vai encontrar menos dificuldades porque se sabe que a transformação do agronegócio brasileiro abre outros mercados para o Brasil. “Portanto, é importante fazer essa ponderação. Eu acho que a mensagem principal é essa: Nós vamos precisar fazer ajustes e quanto mais cedo a gente começar a fazer esses ajustes, mais fácil e menos custoso será. Quanto mais a gente postergar essas decisões, que são de transformação grande da matriz econômica brasileira, mais caro e mais difícil vai ser. Eu acho que é uma mensagem de integridade climática e, ao mesmo tempo, já deixar o Brasil como ponta de lança dessa transformação necessária, servindo de modelo até para outros países”.
Segundo a professora, essa transformação ecológica é, na verdade, uma transição tecnológica. “E o bonde da tecnologia caminha. Quanto mais a gente pegar, melhor será”, afirmou.
Potencial
O estudo indica que entre os cenários simulados, o AFOLU-2040 foi o que mostrou maior potencial para o Brasil atingir emissões líquidas zero já em 2040. Mas isso depende fortemente do setor AFOLU, que engloba agricultura, florestas e outros usos da terra, com forte redução do desmatamento e expansão das áreas restauradas. O desmatamento ilegal seria zerado até 2030, com qualquer supressão legal de vegetação compensada por ações de restauração. No total, o país poderia restaurar 18,2 milhões de hectares entre 2020 e 2040, área equivalente ao do estado do Ceará.
O setor agropecuário passaria também por grande transformação, com a adoção em larga escala de sistemas integrados e agroflorestais. O estudo prevê, por exemplo, a recuperação de pastagens degradadas, a expansão de florestas plantadas e o incentivo à agricultura regenerativa, medidas que fariam o Brasil alcançar a neutralidade de gás carbônico (CO2) até 2035 e de todos os gases de efeito estufa até 2040, graças especialmente ao aumento da cobertura florestal e à melhoria do manejo do solo.
“As emissões começariam a cair rapidamente já em meados da década de 2020. A partir de 2030, o país se aproximaria de um ponto de equilíbrio, quando a restauração e o reflorestamento passariam a remover mais carbono da atmosfera do que o emitido por mudanças no uso da terra. O AFOLU-2040 é o cenário mais eficiente em capturar carbono, mas também é desafiador, uma vez que exigiria forte compromisso político, investimentos consistentes e uma ação coordenada entre os setores agropecuário, florestal e energético”, mostra o estudo.
No cenário Energia, a neutralidade climática em 2040 é impulsionada por geração de energia renovável, biocombustíveis com captura e armazenamento de carbono e biomateriais. A estimativa é que as emissões líquidas zero de GEE serão atingidas em 2040 e a de CO2 em 2035, com neutralização completa da matriz energética.
De acordo com o estudo, as emissões no cenário Energia ocorreriam de forma mais gradual nos primeiros anos, mas acelerariam rapidamente após 2030. A demanda por combustíveis fósseis cai drasticamente, o uso de petróleo diminui 55% até 2035, a produção das refinarias cai também em 41% e as exportações reduzem 71% em comparação com o cenário Net-Zero 2050.
“A eletrificação do transporte reforça essas mudanças, a substituição de combustíveis industriais, a expansão da energia renovável e a ampla implantação do CCS. Juntas, essas medidas impulsionam uma mudança estrutural na economia brasileira, tornando o setor energético o principal motor da descarbonização”.
Investimentos
O cenário AFOLU-2040, baseado em transformações no uso da terra, mantém uma transição energética mais gradual, com os combustíveis fósseis ainda representando 46% da energia primária em 2040, enquanto no cenário Energia-2040, essa participação é de apenas 22%. O ritmo mais lento do cenário AFOLU-2040 reduz as necessidades de investimento de curto prazo, mas traz o risco de atrasar a modernização da base energética e industrial do Brasil.
Outro dado que o estudo destaca é que o cenário AFOLU demandaria apenas 1% a mais em termos de investimento do que o cenário atual de referência, que é o Net-Zero 2050, meta de neutralidade das emissões naquele ano. Esse acréscimo é considerado modesto pelos autores do estudo diante dos cobenefícios sociais e ecológicos gerados, entre os quais a recuperação de ecossistemas, o fortalecimento da agricultura familiar e a criação de empregos verdes.
O cenário Energia-2040 exigiria cerca de 20% a mais de investimentos, em função da necessidade de novas infraestruturas, inovação tecnológica e substituição acelerada dos combustíveis fósseis, especialmente no setor industrial e de transportes. Apesar dos custos mais altos, o estudo destaca que “o investimento antecipado pode trazer retornos significativos, ao posicionar o Brasil como líder global em energia limpa e reduzir a vulnerabilidade econômica frente às mudanças climáticas”.
Fonte: Agência Brasil


